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Zoológicos e Aquários

Certa vez, em palestra, para surpresa geral do público presente, disse que os “jardins” zoológicos são uma instituição perversa, que encarceram animais e disso se orgulham. Foi um choque, eu mesmo percebi que havia radicalizado. Insisti e ao final fui aplaudido e senti que aquele público nunca mais seria o mesmo.


Confesso que dá medo enfrentar preconceitos estabelecidos, parece com chutar a cruz, mas compensa e se impõe quando a transformação da mentalidade entra em nossa agenda. O tratamento dispensado aos animais, que sentem, choram, resistem á morte e são capazes de amar e brincar conosco é uma questão de sensibilidade e também de direitos. Os “jardins” zoológicos existem espalhados pelo mundo. São apresentados e justificados como escola para educação ambiental, como centro turístico, como centro de pesquisas científicas ou até local para acolher espécies ameaçadas. São visitados por milhares de pessoas, um sucesso. Os pais, querendo divertir seus filhos e ensiná-los algumas coisas sôbre os animais se sentem orgulhosos com o passeio. Com a separação dos seres humanos, cada vez mais urbanizados, dos ecossistemas naturais, é natural que a população acorra a um local que possibilita mostrar a realidade natural a seus filhos e é legitimado por tanta gente importante.


Mas que educação transmitimos a nossos filhos mostrando-lhes jaulas com animais que os meninos tanto amam, sem discutir com eles o absurdo à frente dos olhos e omitindo-lhes o contexto maior da destruição dos seus ecossistemas. Em BH tem um primata batisado Idi Amin?! Este gorila amado das crianças vivia há décadas sem uma fêmea, num local ruim. A instituição protetora dos animais prometeu à sociedade que construiria uma casa especial para ele e tentaria trazer-lhe uma gorila. Quem sabe não seria mais correto retorná-lo ao seu habitat e possibilitar um casamento por livre escolha, na pior das hipóteses tentar reintegrá-lo ao seu ambiente natural.


Agora BH inaugurou um grande aquário com peixes da bacia do São Francisco. A cidade está em festa. As escolas programando visitas, todos muitos orgulhosos. Conheci há 12 anos, em Madri e Lisboa, dois grandes aquário. Quando lá estive estava começando a despertar para a causa ambiental e animal, e achei uma maravilha! Meu filho mais velho tinha dois anos e ficou impressionado com aqueles seres da natureza. Senti prazer em possibilitar aqueles momentos ao meu filho.


Agora vem a reflexão.

Padre Vieira, que viveu no Maranhão no século XVII, disse que os peixes são os únicos animais que não se deixam domesticar e considerava isto uma suprema qualidade, devido à capacidade humana de cometer perversidades!


Com a destruição dos ecossistemas naturais em todo o mundo, estamos produzindo os sem-floresta e os sem-rios. Os rios, literalmente esgotados, já quase estão sem peixes e os restantes correm o risco de se extinguirem. As autorizações para lançamentos de esgotos domésticos, comerciais, industriais e de laboratórios diretamente nos rios continuam, absolutamente liberados. Ninguém vai preso por esse crime. Nem por desmatamentos de grandes extensões de matas nativas. Os animais estão sem espaço natural na Terra.


Diante desse quadro precisamos lutar com muita energia para salvar todos os rios do planeta Terra, e levar as crianças para conhecerem os peixes como realmente devem ser conhecidos: em liberdade, com as características naturais de seus ecossistemas, num ambiente de seleção natural e saudáveis. Isto vale para todos os animais, nas florestas também. Preservando rios e matas não será necessário aprisionar animais e as excursões cinetíficas dos estudantes terão outro sentido. Os humanos exterminam, inclusive legalmente, os habitats naturais e criam zoológicos e aquários. Às vezes as mesmas pessoas. Do ponto de vista dos bichos são todos farinha do mesmo saco, gente da mesma espécie!


Mas na busca de solução para conhecimento dos peixes, imaginei um modo de observá-los nos rios preservados: construir uma cápsula em vidro com a função de observatório dentro dos rios onde as pessoas pudessem estudar a vida aquática natural da forma mais discreta possível. Nós é que ficaríamos num “aquário” ou atmosférico! Imaginem que aula de qualidade. Temos tecnologias para isso e o mesmo poderia acontecer nas florestas. As crianças viajariam, o ensino seria de outro nível de qualidade. Tal projeto poderia ser construído no baixo rio das Velhas, confluência com o São Francisco, onde o milagre da multiplicação dos peixes aconteceu através do Projeto Manuelzão e dos apoios que recebemos. A recuperação do rio das Velhas tem este sentido estratégico radical.


No caso do aquário da prefeitura de BH, construido com a melhor das intenções no respectivo nível de consciência, foi com verba do mesmo ministério que aprovou a transposição do rio São Francisco. Transposição que significará, se for concretizada, pá de cal na vida do São Francisco enquanto rio natural, acabando com sua vazão ecológica e forçando a criação de inúmeras barragens nos afluentes mineiros dessa bacia. As barragens são as grandes inimigas dos rios e dos peixes.


Este aquário talvez seja fruto de certa má consciência, a busca até inconsciente de compensação para uns ou de marketing para outros. Não foi por acaso que o convidado de honra nessa inauguração dia 5 de março de 2010, foi justamente Ciro Gomes, autor das propostas tanto da transposição do São Francisco para o Ceará quanto da construção de grandes barragens nos rios da Velhas, Paracatu e Urucuia, visando ajuntar água para aquele empreendimento. Sem estas barragens a transposição não terá água; mas, infelizmente, com elas teremos rios mortos e alagados, cheios de algas e toxinas, dominados por tilápias e nunca mais a piracema. Será a solução final, o holocausto dos rios de Minas. E Minas continua calada, trocando o São Francisco vivo por um “belo” aquário. Repetimos o lema do Projeto Manuelzão: o destino dos peixes anuncia o nosso.


Permitam-me uma declaração final. A voz isolada que escreve estas linhas não tem como se contrapor ao noticiário e a essa engrenagem, que apresentará à sociedade esta festa, na verdade prenúncio de velório. Por isso não suporto o cheiro das flores em velórios. Prefiro o perfume das flores para agradar meus encontros e regalar minha amada. Não para esconder o mau cheiro dos defuntos. As flores são usadas também à beira dos córregos canalizados para esconder o mau cheiro dos esgotos. Ou para o velório do Arrudas no chamado boulevard, de um rio que foi vivo e bonito como o rio Cipó, e que foi transformado no monstro de apelidoTietê: consumidor improdutivo do nosso dinheiro e carrasco da cidade, trazendo enchentes cada vez maiores. As avenidas foram rios, rios voltando a ser a cada chuvinha tropical. Haja propaganda enganosa sobre obras! A meiga água da chuva foi endemonizada pelo noticiário. Gente, a chuva é apenas a gota d`água! A responsabilidade pelas enchentes é a impermeabilização geral do solo urbano, sem nenhuma obra de compensação para infiltração das águas,e as obras dos obtusos projetos de canalizações dos rios urbanos, nossas praias naturais destruidas pela especulação imobiliária e esquemas crônicos de corrupção.


Sei que entre nós muitos apoiam o aquário (zoológico de peixes) e tenho por eles o maior respeito, muitos são meus amigos. Mas neste ítem pensamos diferentes. Defendo uma atitude de firmeza conceitual: pelo respeito aos direitos dos animais à vida e à liberdade; pelo fim do aprisionamento animal em zoológicos e aquários; pela preservação das nossas matas e rios, habitats dos animais terrestres e aquáticos em todo o mundo.

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